Descubra como um reino africano do século I ao VII d.C. se tornou a ponte comercial entre Roma, Índia, Arábia e o interior da África – controlando o Mar Vermelho e deixando um legado que ainda ecoa na Etiópia moderna.
Entre os séculos I e VII d.C., enquanto o Império Romano dominava o Mediterrâneo e a Índia exportava especiarias, existiu no planalto da atual Etiópia e Eritreia uma potência que poucos livros europeus mencionam: o Reino de Axum (ou Aksum). Este não foi apenas mais um estado africano antigo – foi uma das quatro maiores potências do mundo na sua época, ao lado de Roma, Pérsia e China.
E o segredo do seu poder? O controle absoluto das rotas comerciais do Mar Vermelho.
Origens: Do Planalto Etíope ao Porto de Adúlis
A civilização axumita não surgiu do zero. Ela nasceu da fusão de culturas locais do planalto tigrino com influências sabeias (do Iêmen) que cruzavam o Mar Vermelho desde o século VIII a.C. Os antecessores directos de Axum já aparecem mencionados em textos gregos do século I d.C. como “os povos do incenso”.
Quando o comércio romano com a Índia explodiu após a descoberta das monções pelo navegador grego Hípalo (c. 45 d.C.), o porto de Adúlis – a “porta de entrada de Axum” – tornou-se obrigatório. Marfim, ouro, esmeraldas, obsidiana, escravos, incenso, mirra, canela e até rinocerontes vivos saíam de África rumo a Roma. Em troca chegavam vinho, tecidos, metais trabalhados e vidro romano.
“Em Adúlis vi navios de todos os povos do mundo conhecido” – escreveu um mercador anónimo do Periplo do Mar Eritreu (século I d.C.).
Se queres saber mais sobre como o comércio marítimo moldou reinos africanos antigos, recomendo ler o artigo As conquistas marítimas do Reino de Axum.
A Monarquia Divina e as Estelas Gigantes
O rei de Axum não era apenas um governante – era considerado filho directo do deus da guerra Mahrem (equivalente ao grego Ares). O título oficial era Negusa Nagast (“Rei dos Reis”), o mesmo que a Etiópia usa até hoje.
O símbolo máximo deste poder eram as gigantescas estelas de pedra – algumas com mais de 33 metros de altura e 520 toneladas. A mais alta ainda de pé no mundo antigo (só superada pelo obelisco inacabado do Egipto) ainda está em Axum. Estas estelas funcionavam como tumbas reais e demonstrações de poder tecnológico.
Curiosidade: Quando Mussolini invadiu a Etiópia em 1936, levou a Estela de Axum nº 2 para Roma. Só foi devolvida em 2005, em pedaços, e remontada em 2008.
O Ouro, o Marfim e o Poder Monetário
Axum foi o primeiro reino subsariano a cunhar moeda própria em ouro, prata e bronze com a efígie do rei e inscrições em grego, sabeu e ge’ez. Estas moedas foram encontradas até na Índia e no Sri Lanka, prova da extensão da rede comercial axumita.
Principais produtos exportados:
- Marfim (usado em Roma para móveis de luxo)
- Ouro do interior (região de Beni Shangul)
- Escravos (lamentavelmente, já existia comércio interno)
- Chifres de rinoceronte (considerados afrodisíacos na Ásia)
- Casco de tartaruga
- Obsidiana
- Incenso e mirra da região de Punt
Em troca, Axum importava:
- Tecidos indianos de algodão e seda
- Vinho e azeite romano
- Vidro e cerâmica do Mediterrâneo
- Armas e ferramentas de ferro
Para entender melhor o contexto destas trocas, vale a pena ler Reino de Aksum: a influência do comércio e As rotas comerciais do Oceano Índico.
A Conversão ao Cristianismo: O Primeiro Reino Cristão da África
Por volta do ano 330 d.C., o rei Ezana converteu-se ao cristianismo, tornando Axum o segundo Estado oficialmente cristão do mundo (apenas atrás da Arménia) e o primeiro de África. A conversão foi feita pelo sírio Frumêncio, que se tornaria o primeiro bispo de Axum.
Ezana abandonou os símbolos pagãos (o crescente e o disco solar) das suas moedas e colocou a cruz cristã – as primeiras moedas cristãs da história.
Este facto é fundamental: enquanto a Europa ainda era maioritariamente pagã, já existia um reino cristão poderoso na África Oriental, com bíblias traduzidas para ge’ez (língua ainda usada na liturgia etíope).
Quer aprofundar este tema? Veja o artigo Cristianismo no Império Etíope e O Reino de Axum: comércio e cristianismo.
O Declínio: Clima, Islão e Mudança de Rotas
A partir do século VII, três fatores contribuíram para o declínio:
- A expansão islâmica fechou o Mar Vermelho aos cristãos.
- Mudanças climáticas reduziram as chuvas no planalto etíope, afectando a agricultura.
- O comércio com a Índia passou a fazer-se directamente pelos árabes, contornando Adúlis.
O reino encolheu, mas nunca desapareceu. Transformou-se na dinastia salomónica etíope, que reivindicava descendência do rei Salomão e da rainha de Sabá – lenda que ainda hoje faz parte da identidade nacional etíope.
Legado Vivo: Por que Axum ainda importa hoje
- A Igreja Ortodoxa Etíope Tewahedo é uma das mais antigas do mundo.
- A Arca da Aliança é supostamente guardada em Axum (na igreja de Santa Maria de Sião).
- As moedas axumitas são das primeiras a ostentar a cruz cristã.
- A escrita ge’ez é uma das poucas escritas africanas antigas ainda em uso litúrgico.
Se queres conhecer mais sobre este legado, recomendo Os mistérios do Império Axumita e A civilização axumita e sua importância – sim, já temos um artigo dedicado exatamente a este tema!
Perguntas Frequentes sobre Axum
1. Axum e Etiópia são a mesma coisa?
Não exactamente. Axum foi o reino antigo. A partir do século XII o centro de poder deslocou-se para o sul, mas a dinastia que governou a Etiópia até 1974 (e que Haile Selassie era o último representante) dizia-se descendente directa dos reis de Axum.
2. A rainha de Sabá era de Axum?
A tradição etíope diz que sim (chamava-se Makeda). A Bíblia apenas diz que veio “do fim da terra”. Muitos historiadores acreditam que era do reino sabeu do Iêmen, mas que visitou Axum, que já era um centro comercial importante.
3. Ainda existem descendentes dos axumitas?
Sim. Os povos tigrínya e tigré da Etiópia e Eritreia falam línguas descendentes directas do ge’ez e mantêm tradições litúrgicas e arquitectónicas de Axum.
4. Posso visitar Axum hoje?
Sim! A cidade de Aksum, na região do Tigré (Etiópia), é Património Mundial da UNESCO. Lá estão as estelas, ruínas de palácios, a piscina da rainha de Sabá e a igreja onde dizem guardar a Arca da Aliança (ninguém entra, só o guardião vitalício).
5. Porque quase ninguém fala de Axum na escola?
Porque a história ensinada no Ocidente foi escrita a partir da perspectiva greco-romana e depois europeia. Axum era uma potência africana cristã num tempo em que a Europa estava em “idade das trevas”. Não encaixava no narrativa.
África não esperou pelos europeus para ser grande
A civilização axumita prova que África teve reinos sofisticados, com escrita própria, cunhagem de moeda, arquitectura monumental e redes comerciais globais séculos antes da chegada dos portugueses ao continente.
Enquanto Roma caía, Axum continuava a negociar com o mundo. Enquanto a Europa medieval mal saía das suas fronteiras, mercadores axumitas chegavam à Índia e à China.
A história de Axum é a prova de que a grandeza africana não começou com o colonialismo – nem vai acabar com ele.
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Porque a verdadeira história da humanidade começou aqui. E continua aqui.








