A África não foi apenas o berço da humanidade, como revelam os fósseis africanos que desafiaram a história e os primeiros passos da humanidade, mas também o continente onde as mulheres exerceram poder político, religioso, económico e militar muito antes de qualquer outro lugar do planeta. Enquanto na Europa antiga as mulheres eram quase sempre excluídas da esfera pública, em África elas reinavam, comandavam exércitos, controlavam rotas comerciais e eram consideradas encarnações divinas.

Este artigo é uma viagem profunda por esse legado muitas vezes silenciado.

Das Origens Pré-Históricas: A Mulher como Centro da Sobrevivência

Desde o Paleolítico, as mulheres africanas foram o pilar das sociedades caçadoras-coletoras. Elas dominavam o conhecimento das plantas, a recolha de alimentos (que chegava a representar 70-80 % das calorias do grupo) e as primeiras formas de medicina. As famosas Vénus paleolíticas encontradas em sítios como a Gruta de Blombos (África do Sul) não eram simples “ídolos de fertilidade”: eram representações simbólicas da força criadora feminina.

Nas comunidades igualitárias da pré-história africana, o estatuto da mulher era elevado. Enterros femininos com ocre vermelho, conchas e ferramentas sofisticadas – como os encontrados no vale do Rift – mostram que elas eram enterradas com o mesmo respeito que os homens, ou até mais. A evolução da linguagem na pré-história provavelmente teve forte contributo feminino, pois eram elas quem transmitia o conhecimento às crianças.

A Revolução Neolítica e o Poder Feminino na Agricultura

Com a [revolução neolítica na África, iniciada há cerca de 15 000 anos no Sahel e no vale do Nilo, as mulheres tornaram-se as primeiras agricultoras do mundo. Elas domesticaram o sorgo, o milhe, o inhame e o teff. Esse controlo sobre a produção de alimentos deu-lhes enorme influência política.

Nas sociedades matrilineares bantu (que ainda hoje existem em dezenas de povos), a descendência e a herança passavam pela linha materna. O homem casava e ia viver para a aldeia da esposa. Este sistema – que os europeus colonizadores tentaram destruir – sobreviveu milhares de anos porque era funcional e justo.

“Onde a mulher controla a terra e a comida, controla o poder.”
– Cheikh Anta Diop

Rainhas Guerreira do Reino de Kush: As Candaces

Quando falamos de mulheres poderosas da antiguidade, o Reino de Kush (atual Sudão) é obrigatório. Durante mais de mil anos, as rainhas kushitas – conhecidas pelos gregos como Candace (título, não nome próprio) – governaram com autoridade absoluta.

A mais famosa foi a rainha [Amanirenas (40–10 a.C.), que enfrentou o Império Romano. Quando Augusto tentou anexar Kush, Amanirenas liderou o exército, perdeu um olho em combate e ainda assim obrigou Roma a assinar um tratado favorável. Estrabão escreveu, horrorizado: “Esta rainha tem apenas um olho, mas comanda como homem.

Outras Candaces impressionantes:

  • Amanishakheto (início do séc. I a.C.) – enterro com mais de 400 kg de ouro e armas
  • Amanitore (séc. I d.C.) – co-governou com Natakamani e aparece em relevos a esmagar inimigos
  • Shanakdakhete (séc. II a.C.) – primeira rainha kushita conhecida com inscrições em meroítico

Quer saber mais sobre estas guerreiras incríveis? Veja o artigo completo em As mulheres poderosas da antiguidade.

O Egito Antigo: Faraós Femininas e Grandes Esposas Reais

Contrariamente ao que muitos pensam, o Antigo Egito foi uma das sociedades mais igualitárias do mundo antigo em termos de género. As mulheres podiam:

  • Possuir e administrar propriedades
  • Iniciar divórcios
  • Ser juízas, sacerdotisas e até faraós

Hatshepsut (1479–1458 a.C.) foi a mais bem-sucedida faraó mulher da história. Governou 22 anos, construiu alguns dos maiores templos (Deir el-Bahari) e organizou a expedição comercial ao País de Punt. Usava barba postiça cerimonial para reforçar a legitimidade, mas nunca escondeu o seu sexo nos textos.

Nefertiti, Nefertari, Tiye e Cleópatra VII (a última, sim, era grega-macedónia, mas governou como faraó egípcio e falava nove línguas, incluindo o egípcio) são apenas a ponta do iceberg.

Explora estas histórias em:

Rainha Amina de Zazzau (atual Nigéria): A Leoa Hausa

No século XVI, Amina de Zazzau expandiu o reino hausa até limites nunca vistos. Construiu as famosas muralhas de terra (ganuwar Amina) que ainda hoje rodeiam várias cidades do norte da Nigéria. Comandava exércitos pessoalmente e nunca casou – dizia que tomava um amante em cada cidade conquistada e mandava executá-lo ao amanhecer para que ninguém pudesse gabar-se de a ter possuído.

Rainha Nzinga Mbande de Ndongo e Matamba (Angola)

No século XVII enfrentou os portugueses durante 30 anos. Usava táticas de guerrilha, alianças estratégicas e até se converteu temporariamente ao cristianismo para ganhar tempo. Sentava-se em cima de um servo para negociar de igual para igual com o governador português (que não lhe ofereceu cadeira). É considerada uma das maiores estrategistas militares da história africana.

As Rainhas-Mãe em Reinos Akan (Gana e Costa do Marfim)

Nas sociedades akan, a rainha-mãe (Ohemaa) era co-governante. Escolhia e podia depor o rei. Controlava terras, comércio e até tinha o seu próprio exército. Até à chegada do colonialismo, o sistema era dual: poder masculino + poder feminino em equilíbrio perfeito.

Mulheres e Espiritualidade: Sacerdotisas, Rainhas-Divindades e Médicas

Em dezenas de povos africanos antigos, as mulheres eram as principais intermediárias com o mundo espiritual. Entre os yorubá, as Iyalorixá (mães-de-santo) ainda hoje mantêm esse poder. Na cultura dogon (Mali), as mulheres idosas são guardiãs do conhecimento astronómico. Na cultura luvale (Zâmbia/Angola), a mulher que passa pela iniciação Makishi torna-se literalmente uma “pessoa sagrada”.

A rainha de Sabá (provavelmente do reino de Axum ou do Iémen, mas com forte ligação cultural à África Oriental) é outro exemplo de mulher que controlava rotas comerciais e negociava com o rei Salomão como igual.

Economia e Comércio: As Mulheres Controlavam as Rotas

Nas rotas comerciais transaarianas e nas cidades suaili da costa oriental, as mulheres frequentemente eram as grandes comerciantes. Em Gao e Timbuktu, documentos árabes medievais descrevem mulheres ricas que financiavam caravanas inteiras de sal, ouro e marfim.

O Impacto do Colonialismo no Estatuto da Mulher

Com a chegada dos europeus e a imposição de sistemas patriarcais vitorianos + interpretações rígidas do islamismo e do cristianismo missionário, muitas dessas estruturas foram destruídas ou enfraquecidas. As mulheres perderam direitos de propriedade, acesso à terra e liderança política. Só agora, no século XXI, alguns países africanos estão a recuperar tradições matrilineares (ex.: minoria akan em Gana, tuaregues, himba).

Conclusão: Um Legado que Ainda Respira

As mulheres africanas nunca foram “vítimas passivas” da história. Elas reinaram, combateram, inventaram, curaram e transmitiram conhecimento durante dezenas de milhares de anos. Conhecer este passado não é apenas uma questão de justiça histórica – é uma fonte de inspiração para o presente.

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Perguntas Frequentes

P: Existiram mesmo mulheres faraós no Egito?
R: Sim. Hatshepsut, Nefertiti (co-regente), Sobekneferu, Tawosret e Cleópatra VII governaram com título completo de faraó.

P: As sociedades africanas antigas eram matriarcais?
R: Raramente matriarcais (domínio feminino), mas muitas eram matrilineares ou com poder dual equilibrado. A mulher tinha enorme influência económica e política.

P: A rainha de Sabá era africana?
R: A tradição etíope (Livro da Glória dos Reis) afirma que sim, chamava-se Makeda e era rainha de Axum. A versão bíblica deixa a localização ambiguidade, mas a ligação cultural é fortíssima.

P: Porque é que quase não se fala destas mulheres na escola?
R: Porque a historiografia eurocêntrica do século XIX–XX apagou ou minimizou o papel das mulheres africanas para justificar a “missão civilizadora”. Hoje, graças à arqueologia e aos estudos africanos, estamos a recuperar essas narrativas.

P: Ainda existem sociedades matrilineares em África hoje?
R: Sim! Entre os akan (Gana/Costa do Marfim), minianka (Mali), tuaregues (Sahel), himba (Namíbia) e muitos outros povos.

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