Um continente rico como poucos, mas cujas riquezas energéticas continuam a ser, em grande parte, uma história de promessas não cumpridas, desigualdades gritantes e luta pela soberania.
A África não é apenas o berço da humanidade – como já explorámos em profundidade em artigos como África: O Berço da Humanidade e Primeiros Passos da Humanidade –, é também um dos maiores reservatórios de recursos energéticos do planeta. Petróleo, gás natural, carvão, urânio, hidrelétricas de dimensão continental e, cada vez mais, um potencial solar e eólico quase ilimitado. No entanto, desde a era colonial até ao neocolonialismo atual, a exploração destes recursos tem sido marcada por violência, assimetria e, muitas vezes, por uma continuada dependência externa.
Este artigo é uma viagem longa e detalhada por essa história – da febre do petróleo na Nigéria dos anos 1950 até aos mega-projetos solares do Marrocos e da África do Sul em 2025.
Das Caravanas de Sal e Ouro às Pipelines de Petróleo Bruto
Durante séculos, a verdadeira “energia” que moveu impérios africanos foi o comércio transaariano de ouro e sal, como contamos em Grandes Rotas de Comércio Transaarianas e O Comércio de Ouro e Sal no Oeste. Os reinos de Gana, Mali e Songhai enriqueceram controlando esses fluxos energéticos (na forma de calorias humanas e animais). Quando os europeus chegaram, o modelo mudou: passou a ser extração em massa para exportação.
A descoberta comercial de petróleo na Nigéria em 1956 (campo de Oloibiri) marcou o início da era moderna. De repente, países como Nigéria, Angola, Argélia, Líbia, Gabão e, mais tarde, Guiné Equatorial, Chade, Sudão do Sul e Moçambique entraram no clube dos produtores. Mas, tal como no período colonial analisado em Exploração dos Recursos Naturais e Exploração do Petróleo e Gás Natural, a riqueza raramente ficou em África.
A “Maldição dos Recursos” em Números e Sangue
- A África possui cerca de 8 % das reservas comprovadas de petróleo e 7 % de gás natural do mundo, mas recebe menos de 3 % da renda global gerada por esses hidrocarbonetos.
- Na Nigéria, o Delta do Niger produziu mais de 40 mil milhões de barris desde 1958. Ainda assim, 60 % da população local vive com menos de 2 dólares/dia e a esperança de vida não chega aos 55 anos.
- Angola é o segundo maior produtor da África subsaariana, mas foi o país com maior desigualdade do mundo em 2023 segundo o Banco Mundial.
Estes números não são acaso. São o resultado de contratos leoninos assinados nos anos 60-90, corrupção endémica, falta de transferência tecnológica e, em muitos casos, apoio ocidental a ditaduras que garantiam o fluxo contínuo de crude.
As Grandes Petrolíferas e o Legado Colonial Continuado
Empresas como Shell, TotalEnergies, ExxonMobil, Chevron e ENI dominam o setor. No período pós-independência, muitas vezes herdaram diretamente as concessões das antigas companhias coloniais (BP na Líbia, Elf em Gabão e Congo-Brazzaville). O modelo “Production Sharing Agreement” (PSA) parecia moderno, mas na prática manteve o controlo estrangeiro.
Exemplo paradigmático: o caso Cabinda (Angola). Apesar de produzir 60 % do petróleo angolano, Cabinda continua uma das regiões mais pobres do país e com movimentos separatistas ativos – tema que já abordámos em Angola Contra o Domínio Português e nas sequelas neocoloniais.
Gás Natural: A Nova Fronteira (e os Novos Conflitos)
Nos últimos 15 anos, enormes descobertas de gás na bacia do Rovuma (Moçambique), no offshore da Tanzânia, Senegal, Mauritânia e, mais recentemente, na Namíbia transformaram o mapa energético. O projeto Mozambique LNG (TotalEnergies) e Coral Sul FLNG (ENI) deveriam trazer milhares de milhões. Em vez disso, trouxeram o grupo jihadista Ahlu Sunnah Wal Jammah a Cabo Delgado, deslocamento de centenas de milhares de pessoas e adiamento de projetos.
O padrão repete-se: investimento estrangeiro maciço → falta de conteúdo local → ressentimento popular → insegurança → mais militares estrangeiros → ciclo vicioso.
Urânio e Energia Nuclear: O Caso Niger
O Níger é o quarto maior produtor mundial de urânio. A empresa francesa Orano (ex-Areva) explora as minas de Arlit e Akouta desde os anos 70. Resultado: contaminação radioativa das águas, câncer em níveis altíssimos entre trabalhadores e população local, e o país continua entre os cinco mais pobres do planeta. Quando em 2023 o governo militar expulsou as tropas francesas, a primeira medida foi renegociar os contratos de urânio. A Europa tremeu – 25 % da sua energia nuclear depende do Níger.
Hidrelétricas: Das Promessas da Inga à Realidade
A Rep. Dem. do Congo possui o maior potencial hidrelétrico do mundo – a barragem de Inga, se totalmente desenvolvida, poderia fornecer energia a metade do continente. No entanto, sessenta anos depois da independência, menos de 10 % da população congolesa tem acesso à eletricidade. Projetos como Inga III continuam adiados por corrupção e interesses estrangeiros.
Entretanto, a Etiópia construiu a Grand Ethiopian Renaissance Dam (GERD) quase sozinha (com financiamento chinês), mostrando que, quando há vontade política, África consegue.
A Revolução das Renováveis: Finalmente uma História Diferente?
Nos últimos dez anos, algo mudou. Marrocos lidera com o complexo solar Noor (580 MW, o maior do mundo em 2019), África do Sul tem o programa REIPPP que já instalou mais de 6 GW eólica e solar, Quénia tem o parque eólico de Lake Turkana (310 MW), o maior de África.
Mas atenção: mesmo nas renováveis há armadilhas. Muitos projetos são desenvolvidos em modelo IPP (Independent Power Producer) com garantias de compra em dólares por 20-25 anos, transferindo risco cambial para os Estados. E as comunidades locais continuam, muitas vezes, sem luz.
China, Rússia, Turquia, Índia, EUA: Todos Querem um Pedaço do Bolo Energético
- China: já financia e constrói mais de 40 % das novas centrais em África.
- Rússia: Rosatom assinou acordos nucleares com Egipto, Etiópia, Ruanda, Gana.
- Turquia: explora gás na Somália e na Líbia.
- Índia: ONGC Videsh em Moçambique e Sudão do Sul.
- EUA: ExxonMobil e Chevron voltaram em força à Guiné Equatorial e Namíbia.
A nova “scramble for Africa” já não é por territórios, mas por contratos de 30-40 anos de exploração de recursos energéticos.
O Futuro: Soberania Energética ou Nova Dependência?
Em 2025, a Agência Internacional de Energia prevê que África poderá ter 60 % da capacidade solar global instalada até 2050 se os investimentos continuarem. Mas para que isso se traduza em desenvolvimento real são precisas três coisas:
- Conteúdo local obrigatório (fabricação de painéis, turbinas, cabos em África).
- Financiamento concessional e em moeda local.
- Governação transparente e participação das comunidades.
Alguns países já perceberam: Ruanda fabrica drones e painéis solares, Marrocos tem a maior fábrica de concentradora de painéis da África, Nigéria lançou em 2024 o seu primeiro fundo soberano de lítio e minerais críticos.
Perguntas Frequentes
P: A África é realmente rica em recursos energéticos?
R: Sim. Além do petróleo e gás, tem 40 % das reservas mundiais de cobalto, 30 % de manganês, enormes quantidades de lítio, terras raras, e o maior potencial solar do planeta (10 TW).
P: Porque é que a maior parte dos africanos não tem luz em casa se o continente exporta tanta energia?
R: Porque a quase totalidade da produção é para exportação (petróleo bruto, eletricidade para mineradoras). Menos de 50 % da população subsaariana tem acesso à eletricidade em 2025.
P: As renováveis vão resolver o problema?
R: Só se forem projetos de raiz africana ou com forte componente local. Caso contrário, corremos o risco de trocar a dependência do petróleo pela dependência de painéis chineses ou europeus.
P: Qual o país africano mais avançado em energia limpa hoje?
R: Marrocos (quase 40 % da eletricidade renovável), seguido pela África do Sul, Quénia e Egipto.
Quer perceber como tudo começou? Comece pela nossa série sobre a Exploração dos Recursos Naturais e Exploração do Petróleo e Gás Natural. E não perca os artigos sobre Energia Renovável na África e Neocolonialismo e Dependência na Política.
Gostou do artigo? Partilhe nas redes e acompanhe-nos todos os dias:
📺 YouTube → https://www.youtube.com/@africanahistoria
💬 Canal WhatsApp → https://whatsapp.com/channel/0029VbB7jw6KrWQvqV8zYu0t
📸 Instagram → https://www.instagram.com/africanahistoria/
👍 Facebook → https://www.facebook.com/africanahistoria
A história da energia em África é a história do próprio continente: imenso potencial, imensas traições e, agora, sinais de um despertar. O futuro depende de quem contar essa história e, sobretudo, de quem a escrever daqui para a frente.
Fique connosco. A próxima revolução energética africana já começou – e nós vamos contá-la em primeira mão.








