A criação dos governos coloniais europeus na África (1880-1960) não foi apenas uma ocupação militar – foi a imposição de um novo Estado sobre sociedades milenares. Descubra como Portugal, França, Reino Unido, Bélgica, Alemanha e Itália construíram administrações, fronteiras artificiais e sistemas de exploração que ainda moldam o continente.
O “Scramble for Africa” não começou com tiros – começou com canetas e mapas numa sala em Berlim. Entre 1884 e 1885, catorze potências europeias sentaram-se à mesa e, sem um único africano presente, repartiram o continente como quem corta um bolo. Nascia ali o maior ato de engenharia política da história moderna: a criação de governos coloniais que substituiriam reinos, impérios e confederações por colônias, protetorados e concessões.
A partilha da África – a Conferência de Berlim e suas consequências para a África foi o documento fundador de quase todos os Estados modernos do continente.
As Duas Grandes Formas de Governo Colonial
Os europeus usaram essencialmente dois modelos:
Administração direta (França, Portugal, Bélgica, Alemanha, Itália)
- Governadores-gerais nomeados diretamente pela metrópole
- Funcionários europeus em quase todos os postos importantes
- Assimilação ou “missão civilizadora” como ideologia justificadora
Administração indireta (Reino Unido, em parte na África do Sul holandesa/boer)
- Uso de chefes tradicionais como intermediários (indirect rule)
- Menor número de funcionários europeus no terreno
- Preservação aparente das estruturas locais – mas sempre subordinadas
“Nós não conquistamos a África para governar os nativos, conquistamo-la para explorar os seus recursos com a ajuda dos nativos.”
– Lord Salisbury, primeiro-ministro britânico (1890)
O Caso Paradigmático Belga: O Congo como Propriedade Privada
O Rei Leopoldo II da Bélgica recebeu o Congo como propriedade pessoal na Conferência de Berlim. Criou a Force Publique, um exército privado, e um sistema de terror estatal nunca visto. Entre 1885 e 1908 morreram cerca de 10 milhões de congoleses – metade da população. Só em 1908 o Parlamento belga retirou o Congo das mãos do rei e transformou-o em colônia oficial (Congo Belga). A questao do Congo e consequências permanece um dos capítulos mais sombrios da história colonial.
França: A Ideologia da Assimilation e da “Greater France”
A França queria transformar africanos “evoluídos” em cidadãos franceses – pelo menos na teoria. Na prática:
- Apenas quatro comunas no Senegal (Dakar, Saint-Louis, Gorée e Rufisque) tiveram direito a enviar deputados à Assembleia Nacional em Paris.
- Criaram-se os famosos “círculos” administrativos comandados por commandants de cercle com poder absoluto.
- Impôs-se o indigénat, código penal especial para africanos que permitia castigos sumários, trabalho forçado e impostos em espécie.
Reino Unido: O Indirect Rule de Lord Lugard
Frederick Lugard, o teórico do indirect rule, aplicou o modelo primeiro na Nigéria:
- Mantiveram-se emires, obas e chefes tradicionais – mas destituíam-se os que se opusassem.
- Criaram-se Native Authorities e Native Treasuries.
- Os britânicos controlavam finanças, justiça superior e exército.
O sistema foi exportado para o Quénia, Uganda, Tanganica, Gâmbia, Serra Leoa e norte da Rodésia. A resistência africana contra colonização foi muitas vezes canalizada contra os próprios chefes “colaboracionistas”.
Portugal: O Mais Longo e o Mais Pobre Colonialismo
Portugal, sem recursos para administração direta em territórios gigantes (Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé), entregou grandes zonas a companhias majestáticas:
- Companhia do Niassa
- Companhia de Moçambique
- Companhia do Nyassa
Até 1940, estas empresas tinham poder de polícia, justiça e cobrança de impostos.
O trabalho forçado (chibalo) só foi oficialmente abolido em 1961 – um ano antes do início da guerra colonial.
Alemanha: O Modelo Mais Brutal (1884-1919)
Nas colônias alemãs (Tanganica, Camarões, Togo, Namíbia), a administração foi militarizada. O genocídio dos Herero e Nama (1904-1908) na Namíbia atual é considerado o primeiro genocídio do século XX – 80% da população Herero foi exterminada. A resistência contra imperialismo na Namíbia ainda hoje é lembrada como símbolo de luta.
Itália: O Colonialismo Tardio e Fracassado
A Itália chegou atrasada e recebeu “sobras” (Líbia, Eritreia, Somália). Tentou compensar com brutalidade:
- Uso de gás mostarda na Etiópia (1935-1936)
- Campos de concentração na Líbia (mais de 100 mil mortos)
Instrumentos Comuns de Todos os Governos Coloniais
Apesar das diferenças, todos usaram ferramentas semelhantes:
| Instrumento | Objetivo | Exemplo mais extremo |
|---|---|---|
| Imposto de palhota/cabeça | Forçar entrada no mercado de trabalho | Congo Belga, Angola portuguesa |
| Trabalho forçado | Construção de infraestruturas | Caminho de ferro Benguela, Congo |
| Reservas indígenas | Libertar terras para colonos | Quénia (White Highlands), Rodésia |
| Pass laws / caderneta | Controlo de movimentos | África do Sul, Rodésia |
| Educação missionária | Controlo ideológico | Escolas em francês/inglês |
Das Sociedades Pré-Coloniais à Tábua Rasa Administrativa
Antes da chegada maciça dos europeus, a África tinha centenas de formas de governo:
- Impérios centralizados (Songhai, Mali, Congo, Monomotapa)
- Reinos confederados (Ashanti, Buganda, Zulu)
- Repúblicas segmentares (Igbo, Somali)
A criação de governos coloniais destruiu ou subordinou quase todas estas estruturas. A imposição de fronteiras arbitrárias cortou etnias ao meio (ex: somalis, ewe, haúças, macondes). A conferência de Berlim dividindo a África é o momento simbólico dessa ruptura.
Legado dos Governos Coloniais (Ainda Visível em 2025)
- Fronteiras artificiais → conflitos étnicos pós-independência
- Economias de exportação mono-produtoras (cacau, café, algodão, cobre)
- Cidades duais: bairros europeus vs. “cidades africanas” segregadas
- Línguas europeias como línguas oficiais
- Sistemas jurídicos híbridos (common law, code civil, direito português)
Perguntas Frequentes
P: Qual foi o país europeu que mais tempo manteve colónias em África?
R: Portugal. As últimas colónias portuguesas só se tornaram independentes em 1975 (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe).
P: Houve algum reino africano que nunca foi formalmente colonizado?
R: Sim, a Etiópia (derrotou a Itália em Adwa, 1896) e a Libéria (fundada por escravos libertos americanos).
P: Qual foi o primeiro país africano a tornar-se independente no século XX?
R: O Gana, em 6 de março de 1957, liderado por Kwame Nkrumah.
P: O que foi o “Estado Livre do Congo”?
R: Um território que pertenceu pessoalmente ao rei Leopoldo II da Bélgica (1885-1908), não à Bélgica. Um dos regimes mais sanguinários da história.
P: A administração indireta britânica foi realmente “mais suave”?
R: Não. Preservou estruturas tradicionais, mas para melhor explorar. Quando os chefes resistiam, eram substituídos por “warrant chiefs” sem legitimidade local (ex: revolta das mulheres Aba, Nigéria, 1929).
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A história da criação dos governos coloniais não é apenas passado – é a explicação de muitos dos desafios políticos, económicos e sociais que a África enfrenta ainda hoje. Compreender como esses Estados foram impostos é o primeiro passo para compreender como muitos deles estão a ser reinventados no século XXI.








