Descubra como as gigantescas reservas de gás natural da África – de Moçambique à Nigéria, passando pela Argélia e Tanzânia – estão a transformar economias, a atrair potências estrangeiras e a reacender velhas feridas coloniais. Um olhar profundo e sem filtros sobre oportunidades, corrupção, impactos ambientais e o que realmente significa “desenvolvimento” para os africanos.

A África possui hoje quase 8% das reservas comprovadas de gás natural do planeta, mas a sua exploração intensiva é um fenómeno relativamente recente. Nos últimos 15 anos, descobertas colossais no Rovuma (Moçambique), no offshore da Mauritânia-Senegal, na Tanzânia, na Nigéria e até no norte de Marrocos colocaram o continente no centro da corrida energética mundial. No entanto, quem lucra realmente com esta riqueza milenar que repousa debaixo dos pés de populações muitas vezes pobres?

Este artigo é uma viagem longa e sem rodeios por essa realidade – desde os tempos em que os primeiros humanos já caminhavam sobre estas terras ricas em recursos (África: o berço da humanidade), passando pela era colonial que abriu caminho à extração predatória (Exploração dos recursos naturais), até ao neocolonialismo energético dos dias de hoje.

As maiores reservas de gás natural de África (2025)

Segundo os últimos dados da BP Statistical Review e da African Energy Chamber, os países com maiores reservas comprovadas são:

  1. Nigéria – 5,8 trilhões de m³ (líder absoluto)
  2. Argélia – 4,5 trilhões de m³
  3. Moçambique – 2,8 trilhões de m³ (as descobertas da Bacia do Rovuma mudaram o jogo)
  4. Egito – 2,2 trilhões de m³ (campo Zohr, o maior do Mediterrâneo)
  5. Líbia, Angola, Tanzânia, Mauritânia/Senegal (projeto Greater Tortue Ahmeyim) e, mais recentemente, Namíbia e África do Sul (Bloco Orange Basin) também entraram no mapa.

Estes números não são estáticos: novas descobertas acontecem todos os anos.

Uma história que vem de longe: da colonização ao “novo scramble”

A exploração sistemática de recursos energéticos em África não começou com o gás, mas com o petróleo. Já no período colonial, potências europeias desenharam fronteiras pensando no acesso ao subsolo (Conferência de Berlim e a partilha da África). Quando o gás natural ganhou relevância global (anos 2000), as mesmas lógicas permaneceram as mesmas: contratos leoninos, corrupção, violência e pouca transferência de riqueza para as populações.

Hoje, as empresas que dominam o setor são as mesmas de sempre – TotalEnergies, ENI, ExxonMobil, Shell, BP, Chevron – agora acompanhadas por players chineses (CNPC, CNOOC), russos (Gazprom, Rosneft), qataris (QatarEnergy) e até turcos.

Moçambique: o caso-escola do “milagre” que pode virar pesadelo

Em 2010-2013, Anadarko, ENI e Exxon descobriram na bacia do Rovuma mais de 75 trilhões de pés cúbicos de gás – uma das cinco maiores descobertas do século XXI.

O governo moçambicano sonhou com uma “Qatar de África”. Criou-se a expectativa de milhares de milhões de dólares em receitas. Mas a realidade foi outra:

  • Ataques jihadistas em Cabo Delgado desde 2017 (mais de 4 000 mortos e quase 1 milhão de deslocados)
  • Projecto da TotalEnergies parado durante quase 2 anos
  • Contratos assinados com cláusulas de confidencialidade e estabilização fiscal de 30-40 anos
  • Receitas previstas só começarão a entrar significativamente a partir de 2027-2028

Resultado? O Estado já contraiu dívidas gigantescas (a famosa “dívida oculta”) esperando o maná do gás que ainda não chegou.

Nigéria: 60 anos de petróleo e gás… e pobreza extrema

A Nigéria é o exemplo mais trágico. Desde os anos 1950 que extrai hidrocarbonetos. Tem a maior economia da África… e 40% da população vive com menos de 2 dólares por dia. O Delta do Niger está destruído ambientalmente, comunidades pescadoras perderam os seus meios de subsistência e grupos armados continuam a sabotar infraestruturas.

O gás natural nigeriano é maioritariamente queimado (flaring) ou reinjetado – desperdiça-se uma riqueza enquanto a população não tem electricidade.

Argélia e Egito: os “velhos” que ainda mandam

A Argélia vive do gás desde os anos 1960 e conseguiu criar uma classe média, mas sofre com a dependência extrema (98% das exportações). O Egito virou-se para o gás do Mediterrâneo (campo Zohr) e hoje já exporta GNL para a Europa, aproveitando a crise Rússia-Ucrânia.

O novo “scramble” europeu pós-guerra na Ucrânia

Desde 2022, a Europa desespera por alternativas ao gás russo. Resultado:

  • Itália assinou acordos gigantes com Argélia, Congo-Brazzaville e Angola
  • Alemanha fez parcerias com Senegal e Namíbia
  • França reforçou presença na Mauritânia e Moçambique
  • Até a pequena Portugal investiu no Rovuma

A narrativa mudou: já não é “ajuda ao desenvolvimento”, é “parceria energética estratégica”. Na prática, os contratos continuam a favorecer as multinacionais.

Impactes ambientais e sociais: a factura que ninguém quer pagar

  • Comunidades deslocadas sem compensação justa (Cabo Delgado, Nigéria, Tanzânia)
  • Destruição de mangais e áreas de pesca (Moçambique, Senegal)
  • Emissões de metano – o gás natural é vendido como “transição”, mas os vazamentos são gigantescos
  • Conflitos armados alimentados pela luta pelo controlo das receitas (Cabo Delgado, Delta do Niger)

A maldição dos recursos ou má governação?

Muitos repetem a frase “maldição dos recursos”. Mas países como o Botswana (diamantes) ou a Noruega (petróleo) mostram que é possível gerir bem. O problema africano chama-se, acima de tudo, corrupção, falta de transparência e contratos assinados em desfavor do Estado.

O que falta para que o gás beneficie realmente os africanos?

  • Renegociação de contratos (Moçambique já começou a falar nisso)
  • Criação de fundos soberanos (como o do Botswana ou o do Gana com petróleo)
  • Conteúdo local obrigatório (emprego, formação, empresas nacionais)
  • Transparência total (publicação de todos os contratos – EITI)
  • Uso do gás para electrificação interna em vez de só exportar)

Perguntas Frequentes

P: O gás natural é mesmo uma energia de transição?
R: Para a Europa, sim. Para África, muitas vezes é só mais uma matéria-prima que sai bruta e volta cara (electricidade ou fertilizantes importados).

P: Moçambique vai tornar-se rico com o gás do Rovuma?
R: Só se renegociar contratos, investir as receitas em educação e saúde e evitar a corrupção. Caso contrário, será mais um caso de “riqueza debaixo da terra, pobreza em cima”.

P: A China está a comprar todo o gás africano?
R: A China é grande compradora (especialmente de GNL angolano e moçambicano), mas a Europa é atualmente o maior destino devido à crise energética.

P: Existe algum país africano que tenha conseguido beneficiar realmente do gás?
R: A Argélia e, mais recentemente, o Egito são os melhores exemplos. O Gana (petróleo + gás) também tem feito um caminho interessante com o seu fundo petrolífero.

Quer saber mais sobre como a exploração histórica de recursos em África e como ela se repete hoje com o gás? Explore os nossos artigos:

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Porque conhecer o passado é a única forma de não repetir os mesmos erros no futuro.