Descubra como uma cidade fundada por fenícios se tornou uma das maiores potências da Antiguidade, com uma religião intensa, uma sociedade cosmopolita e um legado que ainda ecoa hoje.
Cartago, a mítica Qart-ḥadašt (“cidade nova” em fenício), foi muito mais do que uma rival de Roma. Entre os séculos IX a.C. e 146 a.C., esta metrópole do norte de África (atual Tunísia) criou uma cultura única, resultado da fusão entre a herança fenícia, influências berberes, gregas, egípcias e, mais tarde, ibéricas. A sua religião, marcada pelo culto a Baal Hammon e Tanit, continua a ser uma das mais fascinantes – e controversas – do mundo antigo.
Neste artigo mergulhamos fundo na vida quotidiana, nos deuses, nos rituais, na arte, no comércio e na sociedade cartaginesa, sempre com ligações para outros conteúdos do site que ajudam a contextualizar Cartago dentro da grande tapeçaria da História Africana.
Origens: De Tiro ao Golfo de Tunes
A fundação de Cartago é atribuída à princesa fenícia Elissa-Dido por volta de 814 a.C. Segundo a lenda (e Virgílio), fugiu da cidade de Tiro após o assassinato do marido e fundou uma nova colônia no norte de África. A arqueologia confirma que os primeiros colonos vieram mesmo do Levante fenício.
Os fenícios, grandes navegadores e comerciantes, já tinham criado uma rede de colónias pelo Mediterrâneo: Gadir (Cádis), Utica, Lixus, Mogador… Cartago, porém, depressa ultrapassou a metrópole. Veja mais em Cartago e Fenícios e Comércio e Cultura dos Fenícios.
A Cidade que Conquistou o Mar
Cartago dominava o comércio marítimo ocidental. Os seus dois portos artificiais – o comercial (retangular) e o militar (circular com ilha central) – eram uma maravilha de engenharia. A frota púnica chegou a contar com mais de 300 navios de guerra.
Os cartagineses comerciavam com a Península Ibérica (prata e estanho), Sardenha, Sicília, Baleares e até com a costa atlântica africana. Himilcão e Hannon, o Navegador, são exemplos de exploradores que deixaram relatos impressionantes. Saiba mais em [Cartago – Cidade que Conquistou o Mar.
Estrutura Política: Sufetes, Senado e o Poder das Grandes Famílias
Cartago era uma república oligárquica. Dois sufetes (juízes) eram eleitos anualmente. Existia um Senado de 300 membros vitalícios e um tribunal popular (os “104”). As grandes famílias Bárquidas (Hamilcar, Asdrúbal, Aníbal) e Magonidas dominavam a política. Este sistema inspirou, em parte, a República Romana.
Sociedade Cartaginesa: Multicultural e Hierarquizada
- Nobres fenício-púnicos
Mercadores e artesãos (muitos de origem líbia/numídia)
Camponeses e trabalhadores berberes
Escravos (principalmente prisioneiros de guerra)
As mulheres cartaginesas tinham mais liberdade do que em muitas sociedades contemporâneas: podiam herdar, gerir negócios e até exercer sacerdócio. Exemplos famosos: Sophonisba, filha de Asdrúbal Giscão, ou a própria rainha Dido.
A Religião Púnica: Baal Hammon, Tanit e o Mistério do Tophet
A religião cartaginesa era sincrética e profundamente ligada à fertilidade e ao comércio.
Principais divindades
- Baal Hammon – deus supremo, associado ao céu, à fertilidade e, por vezes, ao sacrifício.
- Tanit – deusa-mãe, senhora da fertilidade, da guerra e da proteção da cidade. O seu símbolo (triângulo com círculo e linhas horizontais) aparece em milhares de estelas.
- Melqart – deus de Tiro, protetor dos navegantes e da colonização.
- Astarte, Eshmun (deus da cura), Reshef, entre outros.
O polémico sacrifício de crianças (molch/molk)
Durante séculos acusou-se Cartago de sacrificar bebés em grande escala no recinto sagrado chamado Tophet. Escavações em Cartago, Motya (Sicília) e Sardenha encontraram milhares de urnas com ossos carbonizados de crianças pequenas e animais. A interpretação atual (pós-2000) é mais nuançada: a maioria dos investigadores acredita que se tratava de sacrifício de recém-nascidos doentes ou mortos à nascença (ou ainda vivos em casos extremos), oferecidos como voto extremo para salvar a cidade em momentos de crise. Não era prática diária, mas sim ritual de exceção.
Outros rituais
- Procissões com música e dança
- Ofertas de frutos, joias e animais
- Sacerdotes e sacerdotisas de alto estatuto social
- Prática da prostituição sagrada (documentada em alguns templos de Astarte)
Arte e Cultura Material
A arte púnica é elegante e eclética:
- Máscaras grotescas de terracota (influência grega e egípcia)
- Joalharia de ouro e prata de técnica fenícia
- Estelas votivas com o “sinal de Tanit”
- Escaravelhos e amuletos egípcios importados ou copiados
- Sarcófagos antropoides (fenícios tardios
A língua púnica (dialeto do fenício) usava o alfabeto de 22 letras – o mesmo que deu origem ao grego, latim e, indiretamente, ao nosso.
A Influência Cartaginesa em África
Cartago não viveu isolada. Casava com elites líbias e númidas, adotava divindades locais e exportava tecnologia agrícola (arados de ferro, sistemas de irrigação). Muitos reis númidas, como Massinissa, foram educados em Cartago. Veja mais sobre estas relações em:
O Declínio e a Memória de Cartago
As três Guerras Púnicas (264–146 a.C.) terminaram com a destruição total da cidade por Roma. “Delenda est Carthago” (“Cartago deve ser destruída”) tornou-se lema de Catão, o Velho. Em 146 a.C. a cidade foi arrasada, os sobreviventes vendidos como escravos e o terreno symbolicamente salgado (embora este detalhe seja provavelmente lenda).
Roma refundou depois uma colónia no mesmo local, que se tornando uma das maiores cidades do Império. O cristianismo chegou cedo (Tertuliano e São Cipriano eram cartagineses). Hoje, as ruínas de Cartago são Património Mundial da UNESCO.
Perguntas Frequentes sobre Cartago
1. Os cartagineses sacrificavam realmente crianças?
A prática existiu, mas não na escala nem com a crueldade que os romanos propagandearam. Era um ritual extremo em momentos de grave crise.
2. Aníbal era cartaginês “puro”?
Não. A família Bárquida tinha raízes fenícias, mas já estava há gerações em África e casava com princesas líbias e ibéricas.
3. Qual era a relação de Cartago com o Reino de Kush e Nubia?
Indireta, mas real. Havia comércio de marfim, ouro e escravos através do Egito ptolemaico. Alguns mercenários númidas lutaram com Aníbal.
4. A língua púnica sobreviveu?
Sim! No século V d.C. ainda se falava púnico no interior da Tunísia. Santo Agostinho (nascido em Tagaste, atual Argélia) dizia que a sua ama lhe falava em púnico.
5. Por que Cartago é importante para a História Africana?
Porque foi a primeira grande potência política e cultural criada em solo africano por africanos (os próprios cartagineses se viam como parte do continente). Demonstrou que a África do Norte podia dominar o Mediterrâneo antes de Roma.
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Delenda est ignorantia – Que a ignorância seja destruída.








