“A África não é um país. É um continente com 54 nações, mais de 3.000 línguas e uma história que começou muito antes da Europa sonhar com escrita.”
A literatura mundial deve quase tudo o que tem de mais profundo, oral, mítico e revolucionário a esse continente-berço. Este artigo é uma viagem por essa influência invisível que, no entanto, sustenta boa parte do que lemos hoje.

A África é o berço da humanidade e, consequentemente, o berço da narrativa. Antes de Homero, antes de Gilgamesh, já havia contadores de histórias nas savanas e junto às fogueiras do Vale do Rift. A oralidade africana – griots, contos iniciáticos, provérbios, mitos cosmogónicos – é a matriz de quase toda a literatura posterior do planeta.

A Influência Pré-Histórica: Quando a Palavra Nasceu em África

Tudo começou quando os primeiros humanos, há milhões de anos, começaram a transmitir conhecimento. Descobertas em locais como o Vale do Rift e a Gruta de Blombos mostram pigmentos ocre e conchas perfuradas com mais de 100 mil anos – os primeiros sinais de simbolismo e, portanto, de narrativa abstrata.

A evolução da linguagem na pré-história aconteceu aqui. Quando os primeiros humanos deixaram a África, levaram consigo não só genes, mas histórias. Essas histórias, transmitidas oralmente durante dezenas de milhares de anos, são a raiz da épica mundial.

A Tradição Oral: A Maior Biblioteca Sem Paredes do Planeta

Os griots da África Ocidental (Mali, Senegal, Guiné) são os verdadeiros inventores do romance moderno. Um único griot pode recitar de cor a Epopeia de Sundiata – fundada no século XIII – durante três dias seguidos. Essa performance viva influenciou diretamente:

  • A estrutura cíclica de Cem Anos de Solidão de García Márquez
  • O realismo mágico que bebe diretamente nos contos iorubás e fon
  • A oralidade ritmada de Toni Morrison e Alice Walker

Chinua Achebe disse: “Até os leões terem os seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão a glorificar o caçador.” Ele próprio, com O Mundo se Despedaça, devolveu a narrativa aos “leonina” ao mundo.

Do Antigo Egito à Bíblia: A Escrita Hieroglífica como Matriz

O impacto da escrita hieroglífica foi brutal. A Bíblia, Torá Corão, todos os textos sagrados do Mediterrâneo beberam da literatura funerária egípcia:

  • Livro dos Mortos → Salmos
  • Contos de Sinuhe (2000 a.C.) → primeiro “romance de formação” da história
  • Máximas de Ptahote → Provérbios de Salomão

Até Shakespeare usou, sem saber, estruturas narrativas que vieram do Nilo através da Grécia e de Roma.

Reinos Medievais: Timbuktu, a Universidade Viva

No século XVI, quando a Europa queimava livros, Timbuktu tornou-se o centro do conhecimento. Mais de 700 mil manuscritos em árabe e ajami (línguas africanas escritas em alfabeto árabe) circulavam sobre astronomia, medicina, poesia amorosa e… romances.

O Tarikh al-Sudan e o Tarikh al-Fattash são crónicas históricas com técnica narrativa que só seria igualada na Europa no século XIX. Leo Africanus, ao visitar o Império Songhai, escreveu maravilhado sobre bibliotecas privadas maiores que muitas europeias da época.

A Diáspora: Quando a África Escreveu a América

O tráfico transatlântico levou 12 milhões de pessoas – e as suas histórias. Dessas histórias nasceu:

  • O blues → jazz → rock → hip-hop
  • A literatura afro-americana (Olaudah Equiano, Frederick Douglass)
  • O realismo mágico caribenho e sul-americano

Aimé Césaire, Léon Damas e Léopold Senghor criaram o movimento da Negritude em Paris nos anos 30, mas bebiam diretamente nos provérbios wolof, bambara e kikongo. Frantz Fanon, nascido na Martinica, escreveu Pele Negra, Máscaras Brancas pensando nos griots que a sua avó contava.

Século XX: A Explosão Literária Pós-Colonial

Wole Soyinka (Nobel 1986), Chinua Achebe, Ngũgĩ wa Thiong’o, Nadine Gordimer (Nobel 1991), J.M. Coetzee (Nobel 2003), Abdulrazak Gurnah (Nobel 2021)… todos bebem da tradição oral e da resistência.

Mas a influência vai mais longe:

  • Ben Okri e o seu The Famished Road (Booker Prize 1991) – um romance que é puro mito iorubá
  • Mia Couto, moçambicano, mistura português com línguas bantu criando uma prosa que soa a feitiço
  • Marlon James (Jamaica/Booker 2015) com Breve História de Sete Assassinatos traz o ritmo do dub e do griot para o thriller

Até autores brancos como Doris Lessing ou J.R.R. Tolkien (que nasceu na África do Sul) reconhecidamente bebeu na mitologia zulu para criar os orcs e os elfos).

A Influência Invisível na Literatura Europeia e Americana

Você sabia que:

  • A estrutura de Dom Quixote deve muito aos contos picarescos magrebinos que circulavam na Espanha moura Espanha?
  • Ezra Pound e T.S. Eliot usaram máscaras africanas (literal e literariamente) no modernismo?
  • Hemingway confessou que aprendeu a escrever frases curtas lendo traduções de contos swahili?
  • O próprio Picasso, ao ver máscaras fang no Museu do Trocadéro em 1907, disse: “Naquele dia entendi o que era pintar.” Isso mudou a arte – e a literatura seguiu.

Hoje: Afrofuturismo, Nollywood e a Nova Onda

Nnedi Okorafor, Tomi Adeyemi, Marlon James, Akwaeke Emezi, Imbolo Mbue… a nova geração está a fazer com a fantasia e a ficção científica o que os griots faziam com a realidade: transformar o mundo através da palavra.

A série Black Panther (baseada em banda desenhada, mas com raízes em mitologia akan, zulu e dogon) levou o afrofuturismo ao mainstream. Behind dela estão séculos de contadores de histórias que nunca precisaram de Hollywood para serem épicos.

Perguntas Frequentes

P: A Ilíada e a Odisseia são influenciadas pela África?
R: Indiretamente sim. Heródoto chamava Egito de “pai da história”. Muitos mitos gregos (Ísis-Hécate, Perseu-Andrómeda) têm raízes keméticas.

P: Qual é o primeiro romance mais antigo do mundo?
R: O Conto de Sinuhe (Egito, c. 1875 a.C.) – 1.400 anos mais antigo que a Ilíada.

P: Como a oralidade africana influenciou o rap e o slam?
R: Ritmo repetitivo, call-and-response, batalha de insultos ritualizados (como o “dozens” afro-americano) vêm diretamente dos griots e dos izibongo zulu.

P: E a literatura brasileira?
R: Jorge Amado, Machado de Assis (neto de africanos livres), João Guimarães Rosa – todos bebem no caldeirão iorubá, banto e angolano trazido pelos milhões de escravizados.

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Porque a história da África não é só passado – é o futuro da literatura mundial que estamos a viver agora.

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A próxima revolução literária já começou – e vem novamente de África.