Descubra como os antigos reinos africanos criaram pirâmides mais numerosas que o Egito, templos escavados na rocha viva e uma estética única que desafiou o próprio faraó. A Núbia não copiou – ela reinventou.

A Núbia antiga – a terra dos “Kush” para os egípcios, “Ta-Seti” (Terra do Arco) para os seus próprios habitantes – estendeu-se por mais de 1 500 km ao longo do Nilo, do atual Assuão (1.ª catarata) até à confluência dos Nilos Azul e Branco, no coração do atual Sudão. Durante séculos, o mundo ocidental resumiu a história africana ao Egito faraónico. No entanto, como já explorámos em O Reino de Kush – O Egito Antigo e em Imperio Núbio: As Conquistas, a Núbia não foi apenas vizinha: foi rival, conquistadora e, muitas vezes, culturalmente superior em criatividade arquitetónica.

Este artigo mergulha fundo nessa arte e arquitetura que ainda hoje nos deixa boquiabertos.

Cronologia rápida: quatro grandes fases que moldaram a estética núbia

PeríodoDatas aproximadasNome próprioCaracterísticas marcantes na arte e arquitetura
Cultura Kerma2500–1500 a.C.Kush clássicoTumuli gigantes, palácios de tijolo cru, cerâmica preta polida
Domínio egípcio1500–1070 a.C.Vice-reinado de KushTemplos egípcios construídos por vice-reis, mas com toque local
Reino de Napata850–300 a.C.XXV Dinastia (Faraós Negros)Pirâmides estreitas em Jebel Barkal, templos de Amón, estátuas colossais de ramsés
Reino de Meroé300 a.C.–350 d.C.Kush meroíticaPirâmides ainda mais íngremes, palácios com banhos romanos, escrita meroítica

As pirâmides núbias – mais de 250, mais íngremes, mais “africanas”

O Egito tem 138 pirâmides conhecidas. A Núbia tem mais de 255 – quase o dobro – e todas construídas num espaço de tempo muito menor (750 a.C.–350 d.C.). A diferença não é só quantitativa:

  • Ângulo de inclinação de 68–70° (Egito: 51–52°), dando-lhes um aspeto esguio e elegante.
  • Tamanho pequeno (base 6–12 m) mas com capela funerária anexa e estelas em escrita meroítica.
  • Enterros com arcos, flechas e armaduras – o rei guerreiro continuava a caçar na outra vida.

Locais imperdíveis:

  • Nuri – 21 reis e 54 rainhas (incluindo o famoso Taharqa.
  • Jebel Barkal – Património Mundial UNESCO.
  • Meroé – as “pirâmides do deserto” que parecem saídas de um filme de ficção científica.

Se quiser saber mais sobre a relação de poder entre estes reinos, leia [Reino de Kush e sua relação com o Egito.

Templos escavados na rocha: Abu Simbel “versão núbia”

Ramsés II mandou construir Abu Simbel para intimidar os núbios. Dois séculos depois, os próprios núbios responderam com obras ainda mais impressionantes:

Templo de Soleb (Amenhotep III) → reutilizado e ampliado por Tutankhamon e depois pelos reis de Napata.

Grande Templo de Amón em Jebel Barkal – parcialmente escavado na montanha sagrada.

Templos de Naqa e Musawwarat es-Sufra – colunas com elefantes, leões alados e a deusa Apedemak (deusa-leoa exclusiva da Núbia).

Mas o ponto alto são os templos de Abu Simbel núbios – os chamados “Speos” de Horemheb e os pequenos templos de Derr e Amada – e, sobretudo, o espectacular Templo de Ramsés II em Aksha, que os próprios reis kushitas mantiveram em funcionamento.

No período meroítico, o destaque vai para o Templo de Apedemak em Naqa – o “Leão de Judá” africano – e o quiosque romano-meroítico com capitéis em forma de flores de lótus abertas, prova de que a Núbia estava ligada ao mundo helenístico e indiano.

Escultura: corpos atléticos, rostos africanos

A estatuária núbia distingue-se imediatamente:

  • Corpos hiper-musculados, cintura estreita, pernas longas – o ideal de beleza kushita.
  • Trajos com detalhes de pele de leopardo ou penas.
  • Coroa dupla (a coroa branca do Alto Egito + a coroa vermelha do Baixo) usada mesmo depois de o Egito ter perdido essa tradição.
  • Olhos incrustados de pasta vítrea ou prata – técnica que os egípcios abandonaram, mas os núbios mantiveram.

Exemplos icónicos:

  • Estátua colossal de Taharqa (Museu de Cartum) – 4 metros de granito negro polido.
  • Cabeças dos “Faraós Negros” encontradas em Kawa e hoje no British Museum e no Museu Nacional do Sudão.
  • Estátuas de rainhas (kandakes) com corpos gordos e poderosos – símbolo de fertilidade e poder absoluto (ver As mulheres poderosas da antiguidade).

Cerâmica – a “cerâmica preta de boca vermelha” mais bela do mundo antigo

A cerâmica kerma e meroítica é considerada por muitos arqueólogos a mais refinada da Antiguidade. Copos de tulipa finíssimos, pretos brilhantes com o interior vermelho vivo, decorados com girafas, crocodilos e flores de lótus. Muitos exemplares estão hoje em museus europeus – mas o Sudão está a exigir a sua devolução.

Joalharia e ourivesaria – ouro do Sudão que viajou até à Índia

Os túmulos reais de Kerma (2500–1500 a.C.) continham colares com milhares de contas de faiança, ouro e cornalina. No período meroítico, as rainhas eram enterradas com coroas altas, pulseiras de ouro maciço e brincos com cabeças de carneiro de Amón. Algumas peças chegaram até à Índia via comércio do Mar Vermelho – prova de que a Núbia era o “Dubai” da Antiguidade.

A escrita meroítica – a única escrita subsariana antiga decifrada (quase)

Os núbios criaram o seu próprio alfabeto cursivo e hieroglífico inspirado nos egípcios, mas com 23 sinais próprios. Até hoje não conseguimos traduzir completamente a língua, mas sabemos que era falada até ao século V d.C. Quem sabe um dia não aparece o nosso “Champollion” meroítico?

Influência mútua: quem copiou quem?

  • Os egípcios copiaram dos núbios o arco compósito e o culto ao deus-leão Apedemak.
  • Os núbios copiaram dos egípcios a pirâmide como túmulo real, mas tornaram-na mais elegante.
  • Os ptolomaicos e romanos copiaram dos meroítas capitéis com flores abertas e banhos de estilo romano em Meroé.

Resultado: uma cultura sincrética absolutamente única.

O fim e o renascimento

No século IV d.C., o rei meroítico Teqorideamani ainda mandava erguer pirâmides. Pouco depois, o reino de Axum (Etiópia) invadiu e destruiu Meroé. A cultura núbia não desapareceu – transformou-se nos reinos cristãos de Nobatia, Makuria e Alodia, cujas igrejas pintadas ainda se podem visitar em Velha Dongola.

Hoje, o Sudão e o governo do Egito planeiam novos museus em Cartum e Assuão dedicados exclusivamente à Núbia. E há esperança: depois de anos de guerra, as escavações voltaram a Meroé em 2024–2025.

Perguntas frequentes sobre a arte núbia

P: As pirâmides núbias são mais antigas que as egípcias?
R: Não. As egípcias são mais antigas (2700 a.C.), mas as núbias são mais numerosas e foram construídas quando o Egito já tinha abandonado o modelo.

P: Porque é que quase ninguém conhece as pirâmides do Sudão?
R: Durante muito tempo o Sudão esteve fechado por guerras. Só nos últimos 15 anos as zonas de Meroé e Jebel Barkal se tornaram novamente acessíveis ao turismo.

P: Vale a pena visitar?
R: Absolutamente. Meroé ao nascer do sol é uma das experiências mais impressionantes do planeta – e quase sem turistas.

P: Os núbios eram “negros” ou “mestiços”?
R: As representações e os esqueletos mostram uma população de fenótipo subsariano com traços nilóticos. Eram tão “negros” como os atuais povos Nuer ou Dinka.

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A Núbia não foi um apêndice do Egito. Foi um império paralelo, muitas vezes mais rico, mais inovador e artisticamente mais ousado. Chegou o momento de lhe dar o lugar que merece na grande narrativa da humanidade.

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