Exploração intensiva de recursos, criação de grandes plantações, caça comercial em massa e introdução de espécies exóticas – a colonização europeia mudou para sempre o equilíbrio ecológico do continente que já tinha sido, durante milénios, habitado de forma sustentável pelos seus povos originários.
Desde o final do século XIX até meados do século XX, África foi repartida, ocupada e espremida como nunca antes na sua longa história. E embora muito se fale do impacto humano – escravidão, fronteiras artificiais, destruição cultural –, um dos legados mais silenciosos (e hoje mais visíveis) foi o colapso dos sistemas tradicionais de gestão ambiental. Este artigo explora essa relação complexa, viajando desde a África pré-histórica até aos desafios ambientais do século XXI.
África antes dos colonizadores: uma relação milenar com a terra
Durante milhões de anos, os primeiros humanos aprenderam a viver em harmonia com os ecossistemas africanos. Os ancestrais que sobreviveram na savana africana desenvolveram estratégias de caça e recolecção que não esgotavam os recursos. Mais tarde, as sociedades caçadoras-coletoras e as primeiras comunidades agrícolas (o desenvolvimento da agricultura) mantiveram práticas de rotação de culturas, fogo controlado e respeito pelos ciclos naturais.
Até à chegada maciça dos europeus, grande parte do continente era gerida por sistemas conselhos de anciãos, tabus religiosos e regras comunitárias que protegiam árvores sagradas, rios e áreas de caça. A arte rupestre na África mostra-nos animais em abundância – não como presas infinitas, mas como parte de um cosmos equilibrado.
A Conferência de Berlim (1884-1885) e o início da exploração predatória
Tudo mudou com a partilha da África na Conferência de Berlim. Sem um único africano à mesa, o continente foi dividido em linhas rectas. Esse acto não foi apenas político: foi o ponto de partida para uma exploração ambiental nunca antes vista.
Plantations e monoculturas: o fim da diversidade agrícola
Os colonizadores introduziram culturas de exportação em grande escala:
- Algodão no Uganda e no Sudão
- Amendoim no Senegal
- Cacau na Costa do Marfim e no Gana
- Café e chá no Quénia e na Tanzânia
- Borracha no Congo Belga (com métodos brutais)
Estas monoculturas exigiram o desmatamento de milhões de hectares de floresta tropical e savana. Na exploração das florestas tropicais durante o período colonial, perdeu-se cobertura florestal equivalente a vários países europeus inteiros.
Caça comercial e extinção local de espécies
A introdução de armas de fogo e a procura europeia de marfim, peles e troféus levou à quase extinção de elefantes em várias regiões. Na África do Sul, os quaggas desapareceram completamente. Rinocerontes e leões foram reduzidos a fracções das suas populações históricas. A exploração do marfim na África tornou-se uma indústria sanguinária.
Mineração: cicatrizes que ainda sangram
Diamantes (África do Sul, Namíbia), ouro (Gana, Zimbabwe), cobre (Zâmbia, Congo) e estanho exigiram escavações em grande escala, contaminação de rios com mercúrio e cianeto, e deslocação de comunidades inteiras. Muitas dessas minas ainda hoje poluem solos e águas.
A invenção das “reservas” e parques nacionais: conservação ou desapossamento?
Paradoxalmente, foi durante o período colonial que surgiram os primeiros parques nacionais africanos (Virunga 1925, Kruger 1926, Serengeti 1951). Mas quem os criou e para quem?
- As populações locais foram expulsas das suas terras ancestrais (ex.: os Maasai do Serengeti e Ngorongoro).
- Os parques foram pensados como “reservas de caça” para europeus ricos e para preservar a fauna “para a ciência”.
- A visão era a de uma “natureza intocada” sem humanos – ignorando que durante milénios os povos africanos tinham sido os verdadeiros guardiões dessa natureza.
Como bem explica o artigo criação das reservas indígenas na África, o que pareceu conservação foi, muitas vezes, mais uma forma de controlo territorial.
A herança pós-independência: continuidade do modelo extrativista
Quando os países africanos se tornaram independentes, herdaram:
- Economias dependentes da exportação de matérias-primas
- Fronteiras que ignoravam ecossistemas (ex.: o rio Níger dividido entre vários países)
- Elites formadas no modelo ocidental que continuaram a exploração intensiva
- Dívida externa que obrigou à continuação do desmatamento para pagar credores
O resultado? Entre 1990 e 2015, África perdeu 83 milhões de hectares de floresta – a maior taxa mundial.
Casos concretos que doem até hoje
| Região / País | Prática colonial | Consequência ambiental atual |
|---|---|---|
| Congo Belga | Borracha (Leopoldo II) | Desmatamento brutal, perda de 50% da floresta primária do Congo |
| Costa do Marfim / Gana Monocultura de cacau | 90% da floresta original desapareceu; hoje o país mais desmatado de África | |
| Quénia / Tanzânia Plantations de chá e café + parques nacionais | Expulsão dos Maasai; erosão grave nas terras altas | |
| África do Sul Mineração de ouro e diamantes | 6000 minas abandonadas contaminam lençóis freáticos com metais pesados | |
| Madagáscar Extração de madeira preciosa por companhias francesas | 85% da floresta original perdida; risco de extinção dos lémures |
O lado menos contado: práticas tradicionais que sobreviveram (e que podem salvar o futuro)
Apesar de tudo, há esperança. Muitas comunidades mantêm conhecimentos ancestrais de gestão sustentável:
- Os Himba na Namíbia continuam a praticar pastorícia rotativa
- Os Dogon no Mali preservam bosques sagrados
- Os povos da floresta Ituri (Congo) mantêm regras rígidas de caça
- Os San no Botsuana ainda conhecem centenas de plantas medicinais
Estes saberes estão hoje a ser redescobertos por cientistas e ONGs. Veja-se o exemplo dos “bosques sagrados” da África Ocidental que, segundo estudos recentes estudos, têm maior biodiversidade que muitas reservas estatais.
O que podemos aprender hoje?
- A preservação ambiental em África não começou com os colonizadores – começou há dezenas de milhares de anos com os primeiros habitantes da África.
- A ideia de “natureza sem gente” é uma invenção colonial que ainda prejudica políticas de conservação.
- Qualquer solução futura terá de incluir as comunidades locais como protagonistas – não como obstáculos.
- A dívida climática que o Norte global tem para com África é enorme: fomos nós que desmatámos para pagar dívidas coloniais e neocoloniais.
Perguntas Frequentes
P: Os africanos pré-coloniais não destruíam o ambiente?
R: Claro que causavam impactes (ex.: desmatamento para agricultura no Império do Mali ou no Grande Zimbabwe), mas em escala incomparavelmente menor e geralmente com mecanismos de regeneração (rotação, tabus, fogo controlado).
P: Os parques nacionais não salvaram animais?
R: Salvaram alguns, salvaram. Mas à custa de dezenas de milhares de pessoas despejadas e criminalizadas por viverem nas suas terras ancestrais. Hoje há um movimento global para devolver direitos de gestão às comunidades (ex.: Namíbia, onde a caça comunitária aumentou em 80% a população de fauna).
P: A colonização trouxe alguma prática positiva de conservação?
R: Trouxe a ideia de parques nacionais e algumas leis, mas quase sempre com motivações racistas e elitistas. O modelo actual de “fortress conservation” ainda reflete essa visão.
P: E hoje quem é o maior responsável pela destruição ambiental em África?
R: O neocolonialismo económico (empresas chinesas, europeias, americanas), corrupção local e a pressão demográfica. Mas a raiz estrutural continua a ser o modelo extrativista herdado da colonização.
Reparar o passado para salvar o futuro
A colonização não só roubou pessoas, ouro e liberdade – roubou também o equilíbrio ecológico que os povos africanos tinham construído ao longo de milénios. Hoje, quando vemos imagens de elefantes mortos por seca no Quénia ou florestas a arder na Amazónia africana (Congo, Gabão), estamos a ver as consequências diretas de decisões tomadas em Berlim, Londres, Paris e Bruxelas há mais de um século.
A boa notícia? Os conhecimentos tradicionais ainda existem. As comunidades ainda resistem. E cada vez mais projetos bem-sucedidos mostram que, quando os africanos recuperam o controlo das suas terras, a natureza recupera também.
Quer saber mais sobre como os povos africanos geriram os seus ecossistemas durante milhares de anos?
→ Dá uma vista de olhos nestes artigos:
- O impacto da mudança climática na pré-história
- A importância da preservação do património
- Consequências ambientais da colonização
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