Descubra como a Abissínia antiga, herdeira direta do Reino de Axum, se tornou o único país africano que derrotou uma potência colonial europeia em campo aberto e manteve a soberania durante a Partilha da África. Uma história de fé, estratégia e orgulho que ainda inspira o continente.

“Até que o leão tenha o seu próprio historiador, as histórias de caça continuarão a glorificar o caçador.”
– Provérbio africano citado por Haile Selassie

Em plena “Corrida à África” do final do século XIX, quando quase todo o continente foi dividido na Conferência de Berlim, apenas um reino antigo conseguiu dizer “não” às metralhadoras e aos tratados impostos: o Império Etíope (Abissínia). Este artigo leva-o desde as origens axumitas até à vitória histórica de Adwa em 1896 e ao último reduto de liberdade durante a ocupação italiana de 1936-1941.

As Raízes Milenares: Do Reino de Axum ao Império Cristão dos Altos Planaltos

A história da resistência etíope não começa em 1896. Começa há mais de 2 000 anos, quando o Reino de Axum dominava o comércio do Mar Vermelho, cunhava a sua própria moeda de ouro e adotou o cristianismo ortodoxo no século IV – tornando-se um dos primeiros Estados cristãos do mundo, ao mesmo tempo que Roma ainda lutava contra os bárbaros.

Este legado não é apenas religioso. A Igreja Ortodoxa Tewahedo etíope preservou a ideia de que os imperadores eram descendentes diretos do rei Salomão e da rainha de Sabá (Makeda). Esta narrativa, presente no Kebra Nagast (o livro sagrado etíope), deu coesão política e espiritual durante séculos. Enquanto outros reinos africanos foram fragmentados, a Etiópia manteve uma escrita própria (Ge’ez), calendário próprio e identidade imperial ininterrupta.

Quer saber mais sobre este reino que ligava África ao mundo antigo? Veja o artigo completo O Reino de Axum – o elo perdido e As conquistas marítimas do Reino de Axum.

Século XIX: A Era dos Imperadores Guerreiros

  • Imperador Teodoro II (1855–1868) – unificou os principados com armas de fogo compradas aos turcos e enfrentou os britânicos em Magdala.
  • João IV (1871–1889) – derrotou os egípcios em Gundet e Gura (1875-1876).
  • Menelik II (1889–1913) – o grande arquiteto da Etiópia moderna.

Menelik II é a figura central. Diplomata astuto, comprou dezenas de milhares de espingardas e até canhões Krupp e Hotchkiss. Enquanto os europeus acreditavam que a Etiópia era um aglomerado de tribos, Menelik criou um exército moderno de mais de 100 000 homens, muitos equipados com armas de repetição.

A Batalha de Adwa (1 de Março de 1896) – O Dia em que África Venceu a Europa

A Itália, recém-unificada e ávida por colónias, assinou o Tratado de Wuchale (1889) com Menelik. A versão italiana dizia que a Etiópia seria protetorado italiano; a versão em amárico dizia apenas amizade e comércio. Quando Menelik descobriu a falsificação, denunciou o tratado.

A resposta italiana foi invadir. Em Adwa, 17 000 italianos e askaris enfrentaram 100 000 etíopes bem armados e conhecedores do terreno. Resultado: cerca de 7 000 mortos italianos, 1 500 eritreus e 3 000 prisioneiros. A Europa ficou em choque. A Etiópia tornou-se símbolo mundial de resistência negra.

A vitória de Adwa ecoou pelo mundo. Jovens jamaicanos, haitianos e afro-americanos começaram a olhar para a Etiópia como prova de que era possível vencer o homem branco em combate aberto.

A Etiópia de Haile Selassie e a Segunda Invasão Italiana (1935–1941)

Após a morte de Menelik, o seu primo Haile Selassie subiu ao trono em 1930. Modernizou o país: aboliu a escravatura (1923-1932), entrou na Liga das Nações (1923) e tentou criar um exército ainda mais profissional.

Em 1935 Mussolini invadiu com aviões, tanques e gás mostarda. Apesar da heroicidade etíope, Addis Abeba caiu em maio de 1936. Haile Selassie fez o famoso discurso na Liga das Nações em Genebra:

“Hoje somos nós, amanhã sereis vós.”

Cinco anos depois, com apoio britânico, os “Patriotas” (guerrilheiros etíopes) e tropas da Commonwealth expulsaram os italianos. A 5 de maio de 1941 Haile Selassie voltou a entrar em Addis Abeba – exatamente cinco anos depois de a ter abandonado.

Por Que Só a Etiópia Resistiu?

  1. Estado centralizado milenar (herança de Axum e Gondar).
  2. Terreno montanhoso quase impossível de ocupar.
  3. Igreja ortodoxa como elemento unificador.
  4. Diplomacia inteligente e acesso a armas modernas.
  5. Consciência nacional forte – “Nós nunca fomos colonizados”.

Legado Atual

A vitória de Adwa inspirou:

  • Movimentos pan-africanos (Marcus Garvey, Kwame Nkrumah)
  • Rastafarismo (Haile Selassie é visto como divindade viva)
  • Lutas anticoloniais em todo o continente

Hoje a Etiópia é o único país africano cujo calendário ainda está 7/8 anos “atrasado” em relação ao gregoriano, mantendo a sua contagem a partir da Encarnação segundo a tradição ortodoxa – um pequeno-grande símbolo de independência cultural.

Perguntas Frequentes

P: A Etiópia nunca foi colonizada?
R: Tecnicamente sim. A ocupação italiana de 1936–1941 (5 anos) não é considerada colonização efetiva pela maioria dos historiadores etíopes e pela União Africana, pois o país manteve a sua dinastia, bandeira e continuidade estatal.

P: Quem foi o grande general de Adwa?
R: A imperatriz Taytu Betul, esposa de Menelik, comandou 30 000 guerreiros e escolheu o local da batalha. Ras Makonnen (pai de Haile Selassie), Ras Alula, Ras Mikael e Ras Mengesha foram outros heróis.

P: Porque a Itália voltou em 1935?
R: Mussolini queria vingar Adwa e criar o “Império Italiano da África Oriental” (Etiópia + Eritreia + Somália).

P: A Etiópia ajudou outras lutas africanas?
R: Sim. Addis Abeba foi sede da Organização da Unidade Africana (hoje União Africana) e deu asilo a inúmeros líderes anticoloniais.

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